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ONDE ESTÁ O RETROFIT NO PLANO DIRETOR DE SÃO PAULO

  • Foto do escritor: vivianbarbour
    vivianbarbour
  • 1 de jul. de 2023
  • 5 min de leitura

Pouco se fala sobre o parque imobiliário já construído na cidade. Pouco se fala sobre os mais de 600 mil metros quadrados de área construída ociosa na região central


Como São Paulo vai se desenvolver nos próximos anos, com o Plano Diretor recentemente aprovado na Câmara Municipal? Difícil dizer com precisão sobre como a lei vai se traduzir no território. Mas algo já dá para afirmar: São Paulo vai construir muito mais coisa nova do que aproveitar o que já existe.

Os últimos meses foram marcados por um debate urbanístico quentíssimo. Diferente do texto proposto pelo Executivo, o Legislativo municipal avançou em aspectos centrais do Plano Diretor, sendo o ponto de maior polêmica as mudanças propostas para os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana.

O texto aprovado aumenta as áreas de influência dos Eixos, que são aquelas que têm maior possibilidade de adensamento construtivo. Essas áreas são as mais interessantes para o desenvolvimento greenfield e o grande alvoroço em torno do tema é sintoma do paradigma que rege tanto mercado imobiliário quanto legislação urbanística: o que de fato deve ser produzido e, portanto, regulamentado na cidade é a construção de edifícios novos.

Pouco se fala, no debate do Plano Diretor, sobre o parque imobiliário já construído na cidade. Pouco se fala sobre os mais de 240 mil metros quadrados de área construída ociosa notificada pela prefeitura no Distrito da República. Se pegarmos toda a Subprefeitura da Sé, esse número salta para espantosos 600 mil metros quadrados que não têm um uso adequado – e olha que estamos falando apenas daqueles imóveis dos quais se tomou conhecimento da ociosidade. A quantidade de imóveis de fato vazios ou subutilizados seguramente é maior. Estamos falando de edificações produzidas a partir de esforços e investimentos coletivos, públicos e privados, com gastos de energia, matéria-prima e localização.

A indústria da construção civil é responsável por 63% de todo o lixo produzido cotidianamente no Brasil, segundo dados de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Esse debate, portanto, é também sobre responsabilidade climática. Se o edifício mais sustentável é aquele que já existe, como o Plano Diretor tem incentivado o seu uso? Para responder a essa pergunta, é preciso olhar para os instrumentos urbanísticos que incentivam o retrofit e o reaproveitamento da preexistência.

O principal deles, o PEUC (Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios), tem uma aplicação tímida na cidade de São Paulo e não conta com um caminho de saída para os imóveis que se mantêm na ociosidade. Ao caírem na cobrança do IPTU Progressivo por cinco anos, podem ser desapropriados pela prefeitura mediante pagamento em títulos da dívida pública. Só que isso nunca aconteceu. Em nove anos de vigência, não tivemos, no município, nenhuma desapropriação em decorrência de PEUC. E 70% dos imóveis notificados seguem sem atender à exigência de uso da propriedade.

COMO SÃO PAULO VAI SE DESENVOLVER NOS PRÓXIMOS ANOS? DIFÍCIL DIZER COM PRECISÃO, MAS ALGO JÁ DÁ PARA AFIRMAR: A CIDADE VAI CONSTRUIR MUITO MAIS COISA NOVA DO QUE APROVEITAR O QUE JÁ EXISTE

A revisão intermediária do Plano Diretor acrescentou um novo caminho de saída dos imóveis notificados em PEUC. Trata-se da Desapropriação por Hasta Pública, em que o poder público declara a utilidade pública de um imóvel, que pode então ser arrematado em leilão por um privado. Ocorre que o instrumento não tem previsão na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade. Ainda que já previsto em outras leis municipais (como a REURB e o PIU Setor Central), ele nasce apartado do ordenamento jurídico brasileiro que trata do tema. A viabilidade jurídica da Desapropriação por Hasta Pública, que poderia de fato ser um caminho de conclusão da PEUC, não foi alvo de debates e aprimoramento no decorrer da revisão. Assim, seguimos sem um encaminhamento contundente contra os imóveis que historicamente não cumprem sua função social.

A Transferência do Direito de Construir é outro instrumento que poderia vir ao encontro do retrofit, já que viabiliza recursos para, dentre outras hipóteses, subsidiar a preservação de edificações tombadas. Assim como na PEUC, também a TDC tem aplicação pífia no município. Os motivos são vários, dentre eles, a impossibilidade de que condomínios usem a TDC por uma questionável exigência regulamentar de unanimidade dos coproprietários e a insegurança jurídica do procedimento do instrumento. Quanto a esse último ponto, a revisão intermediária do PDE poderia ter sanado a questão, mas não o fez.

No caso do patrimônio cultural, o dinheiro da TDC é de uso carimbado: viabilizar sua preservação. Se o imóvel não está preservado, a transferência fica condicionada à assinatura de um Termo de Compromisso, em que o cedente se compromete a direcionar os recursos, quando recebidos, à preservação do bem. Atualmente, esse é o caminho mais usual de realização da TDC no município, democratizando o acesso ao instrumento e viabilizando recursos para a preservação de algo que é de interesse público.

A possibilidade de assinatura de Termo é fruto de um dispositivo infralegal, e isso tem gerado uma série de ruídos. A previsão poderia ter sido incorporada ao texto do Plano Diretor, trazendo segurança jurídica, transparência e governança aos envolvidos. No entanto, não foi isso que aconteceu. Ao contrário, cristalizou-se no texto a necessidade de que o tombado esteja em bom estado de conservação para realizar a TDC. O termo é impreciso – existe ponto de chegada no caminho da preservação? – e joga uma pá de cal sobre a possibilidade de que a preservação do tombado se dê posteriormente à realização da TDC. Ela deixa de ser uma aliada possível na viabilização do reaproveitamento de edifícios.

Ainda sobre a preexistência, o PDE poderia ter se inspirado no Requalifica Centro. O programa prevê incentivos urbanísticos e flexibilizações edilícias que reconhecem que os edifícios construídos têm história. Produzidos em contexto específico, eles nem sempre podem atender integralmente às exigências legais do presente. Institucionalmente, é preciso criar convergências para que essas construções voltem a cumprir sua função social.

A compreensão do Requalifica poderia ter sido expandida, incentivando o reaproveitamento de diversas outras centralidades ociosas espalhadas pela cidade. O que vimos, no entanto, foi o oposto: o texto aprovado incentiva a construção de novos edifícios no lugar da preexistência ao permitir que demolições totais sejam reerguidas com os parâmetros de uso e ocupação do solo então existentes, os quais, via de regra, são mais generosos do que os padrões atuais.

O retrofit está no centro dos debates atuais sobre desenvolvimento urbano e imobiliário. Capitais como Rio de Janeiro e São Paulo produziram legislação específica sobre o tema; o Programa Minha Casa Minha Vida está abrindo uma nova frente de provisão habitacional por meio da requalificação de edifícios; tivemos uma alteração histórica no Código Civil, com a mudança do quórum de aprovação em condomínios para aprovar a conversão de uso de edifícios. Tudo isso indica um caminho vagaroso, mas consistente de regulação e incentivo ao retrofit. Sem se comprometer a enfrentar velhos paradigmas do desenvolvimento urbano, o debate do Plano Diretorde São Paulo parece ter perdido esse bonde.


PUBLICADO NO NEXO JORNAL


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